domingo, 19 de maio de 2013

Plínio Fraga e o jornalismo de raiz



Jackeline Chagas e Natasha Dias
           
A conversa com o jornalista Plínio Fraga, de 45 anos, começou com um desabafo: “Vida de jornalista é uma correria só. Achei que fosse conseguir escrever meu livro e continuar trabalhando no O Globo, mas cheguei à conclusão de que não vai dar”, disse, dias antes de deixar o jornal para dedicar-se à escrita da vida de Tancredo Neves, em fevereiro deste ano. Antes do O Globo, onde trabalhou no último ano, passou pela revista Piauí, pelos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, ora na Política, ora na Cultura.


Ele contou o começo de sua carreira, ainda no tempo da máquina de escrever; falou sobre as dificuldades que enfrentou – como as ocasiões em que precisou bater de casa em casa pedindo que lhe emprestassem um telefone para mandar matérias para a redação – e destacou a diferença de se escrever para uma revista e para um jornal. As dificuldades não abalaram seu amor pela profissão: “Eu sempre quis fazer jornalismo, nunca imaginei fazer outra coisa”, afirmou o convidado da mesa sobre Jornalismo Literário do último Controversas.

Você nasceu em 1968, ano em que a ditadura estava forte no Brasil e entrou para a faculdade de jornalismo dois anos após seu fim. Houve alguma influência do regime na sua escolha pelo jornalismo?
Não. Sabe que isso é até engraçado, eu nasci no dia 5 de dezembro e o Ato Institucional n° 5 foi decretado no dia 13 de dezembro. Em 1984 eu participava das campanhas das Diretas Já, desde jovem eu sempre gostei muito de política. Entrei na faculdade em 1987 e a nossa turma montou uma chapa para concorrer ao Diretório Acadêmico, mas por incrível que pareça a gente queria vencer para diluir o diretório. A gente não queria colocar nada no lugar, só queria tirar quem estava lá, porque eles eram muito chatos. Na minha época o que todo mundo queria fazer mesmo era poesia. O Brasil tinha acabado de ter uma decepção forte com a política, derrotas nas Diretas e logo depois a eleição e morte do Tancredo. O país tinha saído da ditadura, mas a crise aumentou. Politicamente estava tudo muito confuso e as pessoas estavam um pouco perdidas. Eu sempre quis fazer jornalismo, nunca imaginei fazer outra coisa. Desde os meus 12 anos lia pelo menos uns dois jornais por dia. Acredito que a ditadura não tenha muita relação com isso, talvez tenha com minha formação de gostar de ler.

Que mudanças no jornalismo você percebeu ao longo de sua carreira?
São várias mudanças, algumas mais diretas e outras mais indiretas. Eu comecei a trabalhar em 1989 e já e passaram 24 anos desde então. Naquela época, a gente escrevia a matéria em lauda, na máquina de escrever, mas já existia o fantasma das redações informatizadas. Quando eu entrei na Folha, em 1990, foi a primeira vez que eu escrevi uma matéria no computador. Eu achava aquilo sensacional e olha que eram aqueles computadores enormes. Me lembro também que, quando o repórter viajava pra fazer reportagem,  tinha que ir acompanhado de um fotógrafo e um laboratorista, porque era preciso revelar o filme, e muitas vezes as cidades não tinham laboratórios. O laboratorista viajava com umas malas grandes porque tinha que levar vários produtos químicos e o equipamento. Ele transformava o quarto em um laboratório, ficava tudo escuro e um cheiro forte de química. Para mandar as fotos para a redação demorava cerca de 40 minutos. Outra coisa engraçada é que em 1992 quando já havia laptop para levar em viagens, mas a conexão à internet dependia da conexão discada, eu escrevia as matérias e batia de casa em casa perguntando se alguém poderia me emprestar o telefone. Muitas vezes eu acabava desmontando o telefone da pessoa pra poder colocar o cabo no meu laptop e enviar a reportagem para a redação. Já desmontei muito telefone na casa dos outros.

Você foi convidado para uma mesa sobre jornalismo literário no Controversas. Como você enxerga a literatura influenciando no seu trabalho?
Jornalismo é talento e não inspiração, ou seja, quanto mais você trabalhar, quanto mais você se dedicar a uma entrevista, a apurar, melhor a sua matéria fica. A literatura te proporciona ritmo narrativo, vocabulário, ampliar sua capacidade de entendimento de mundo, criatividade, coisas que você precisa para escrever um bom texto. Mas a literatura não te dá a técnica jornalística, que é fundamental. Eu nunca fui muito a favor do termo jornalismo literário, porque jornalismo é uma coisa e literatura outra. Normalmente um bom jornalista não consegue ser um bom romancista e vice-versa, os dois trabalham com registros diferentes.

As chefias têm resistência em dar lugar a textos mais bem trabalhados ou cobram o estilo convencional, mais imediatista?
Não é que as chefias resistem à ideia em si. Um texto nos padrões que entendo como sendo adequado para desenvolvimento de certas ferramentas mais utilizadas na literatura demanda investimento. Depende também de tempo de apuração, muitas vezes de dinheiro em viagem, pesquisa rigorosa, busca de documentos. É um processo mais complicado, lento, de respostas às vezes não muito claras. Em geral, chefes optam por soluções mais imediatas em razão da natureza do jornalismo. A urgência dos prazos é um dos nossos limites. Mas bons chefes sabem fazer escolhas, sabem que certas histórias merecem mais tempo, mais paciência, mais orçamento e repórteres mais experientes.

Política e Cultura são duas editorias bem diferentes. O que te atrai nos dois segmentos? 
São diferentes quando olhadas pelo varejo das notícias. Elas têm em comum o fato de traçarem o confronto de ideias, pensamentos, linhas macroestruturais. São delineadoras de futuro, explicadores do passado. Muito da arte pode ser política, muito da política pode ser uma espécie de arte, em termos de articulação, mediação, discurso.

Atualmente o jornalismo acaba sendo cada vez mais imediatista e não há muito espaço para as grandes reportagens. Quais consequências isso pode trazer?
O leitor imediatista é muito bem servido pela velocidade com que as informações circulam. A quantidade dessas informações está em um nível tal que acho que confunde as pessoas. Esse ambiente estimula quem possa ajudar na organização e reflexão das ideias do nosso tempo. Isso pode ser feito de muitas formas. Tem a longa e a curta, a inteligente e a chata, a pedante e a clara, a articulada e a rarefeita. É nesse momento que atuam o bom repórter e o bom editor. É aqui que a profissão faz sentido.

 Quais as diferenças entre escrever para uma revista como a Piauí e um jornal como a Folha ou O Globo?
Uma revista como a Piauí tenta ir justamente nos espaços que jornais e outras revistas deixam abertos. Ela é uma revista mensal, tenta se aprofundar em assuntos que outros veículos não abordam. São textos longos de 25 mil a 40 mil toques, com prazos longos de apuração. Nos jornais depende. Eu já fiz matérias na Folha que demoraram de dois a três meses, mas isso é uma excepcionalidade. No geral, os prazos são infinitamente menores. As pesquisas hoje mostram que as pessoas têm em média 30 minutos para ler o jornal por dia. Talvez no jornal de domingo você gaste mais tempo. Sua relação com o jornal é diferente da sua relação com a revista. A revista mensal você lê por dias, já o jornal você lê hoje e amanhã já tem outro. Acho que os jornais precisam de grandes narrativas, e precisam de editores que digam que nem tudo vale grande narrativa.

Como você vê a maior interação com o leitor, proporcionada pela internet? Ela influi no seu trabalho? Você costuma estabelecer algum tipo de troca com o público?
Há dois tipos de comentários. Aqueles que estão no site do O Globo, eu não leio porque as pessoas não se identificam, usam pseudônimos, são agressivas. Os enviados por pessoas que te mandam mensagem por e-mail, eu leio. Os leitores, às vezes, são questionadores e dizem no que você errou. Se é uma dúvida, eu explico, se for erro meu, eu assumo, não vejo problema nenhum nisso. Quando mandam e-mail pedindo mais informações, eu dou. Isso eu acho bom, o que eu não gosto são aqueles comentários do site em si, aquela selvageria. Isso pra mim não é interatividade. Quando os jornais colocaram aquela bagunça no site, aquele Fla x Flu político e as pessoas te xingando, sob anonimato, não acho que haja um debate de ideias. Essa política é meio falsa, é a falsa interatividade. Se eu quero comentar uma notícia que está no jornal, eu tenho que me identificar. Sob o codinome 'gostosão68' não dá.

Muito se comenta sobre a ética do jornalista e até que ponto ele pode chegar para escrever uma matéria. Temos como exemplo a cobertura da tragédia em Santa Maria. Em sua opinião, quais são os limites de um jornalista? 
A ética é comum, você não pode distorcer, não pode mentir. Eu sou contra qualquer tipo de mentira. Sendo jornalista, nunca obtive informação dizendo não ser jornalista. Não significa que eu não possa não me identificar, mas a partir do momento que sou questionado como tal, eu digo que sou jornalista e ponto. Não vou mentir e dizer que sou policial. O país tem regras, leis. Formalmente, se eu publico um grampo, eu estou quebrando a lei, mas se for de interesse público tem uma regra maior aí, tem um sentido. Mas não posso roubar um documento, por exemplo, em benefício da minha reportagem. Não posso contratar araponga pra investigar as pessoas. Os jornalistas devem usar os meios jornalísticos para investigação. Jornalista é uma pessoa como qualquer outra, eu não tenho que ter privilégio.

Qual a sua visão do jornalismo hoje? Quais pontos você acha que deveriam melhorar?
O básico do jornalismo é a informação bem apurada, bem trabalhada e bem editada. É assim há 300 anos. Bons profissionais, bem formados e que saibam trabalhar a informação. Isso depende da base. A necessidade da informação bem apurada que a sociedade precisa e você tem, não vai ser suprida por blog ou coisas do tipo. A sociedade quer bons jornalistas e um bom jornalismo.

O que você acha da formação acadêmica em jornalismo? É importante?
Não me arrependo de ter feito (Jornalismo). Não sou favorável, para não ser linchado, que os jornais contratem só formados em jornalismo, mas é bom que hajam outros profissionais, mesmo que sem diploma, trabalhando na nossa área também. Eu trabalhei com gente formada em Direito, Economia, e faz uma puta diferença. Coisas que não dão certo em profissão nenhuma são: preguiça, pouca dedicação, arrogância de achar que não precisa ouvir as pessoas e autossuficiência. Toda vez que você acha que já sabe demais, se dá mal. Toda vez que você deixa de fazer algo que deveria ter feito, se dá mal. Não é uma profissão pra se ganhar muito dinheiro. Se for pensar nisso por dinheiro, vai fazer outra coisa. Vai sempre ter altos e baixos, felicidade e tristeza, vai trabalhar muito, vai perder namorados(as), férias, finais de semana. Você vai ter que fazer escolhas.

Que conselho você daria aos estudantes de jornalismo?
Leiam jornais, revistas, livros sempre. Tem gente que gosta de cultura e lê só cultura. Recomendo que leiam de tudo, pois é isso que vai te dar instrumento pra entender como se faz (jornalismo). É lógico que se você gosta mais de cultura, você tende a ler mais sobre isso, mas você deve ter um conhecimento amplo. Ter curiosidade, ser interessado no humano, no sentido físico e no que o humano produz. 

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